Março/2024 Psicologia/Angústia


As Três Senhoras

Texto de André, meu paciente

sobre Angústia, Tristeza e Saudade

Sobre o Luto, a Desmotivação e o Desânimo


Desmotivação é falta de motivação. A motivação nos faz entrar em ação para conseguir o que desejamos.


Estar animado é ter energia e vitalidade para entrar em movimento, para obter o prazer, que o desejo pressupõe.


A motivação aciona a energia que nos impulsiona em direção ao objeto amado. Freud denominou esta energia de libido. 


Quando conseguimos o objeto amado, nos sentimos animados, mesmo que o prazer não tenha sido como esperávamos.


Quando não conseguimos o objeto amado idealizado ou quando o perdemos, nos sentimos desanimados e não raro vivenciamos o processo de luto em relação ao objeto.


O processo de luto nos cobra integrar e dar um sentido à perda sofrida, o que muitas vezes parece ser uma tarefa impossível.


A vivência do luto depende da dinâmica psicológica e da singularidade de cada pessoa. O luto demanda que a libido investida anteriormente no objeto amado perdido seja investida em um novo objeto. Quando a libido permanece presa ao objeto perdido por tempo demasiado, gera a melancolia, como postulou Freud.


De forma bastante simplificada, o luto tem três etapas principais: negação, revolta e tristeza.


A dificuldade de aceitação da perda, nos leva a negá-la. Uma vez conscientes da perda, a revolta toma conta de nós. E depois da revolta, vem a tristeza que costuma ser a etapa mais demorada do processo.


Quando os pacientes enlutados me perguntam quando é que a tristeza vai passar, eu costumo dizer que isto acontece quando a tristeza cede seu lugar à saudade. A saudade costuma nos trazer as boas memórias das experiências vividas com o objeto amado. Traz também a gratidão pela oportunidade destas vivências e a sabedoria que nos possibilita compreender a finitude da natureza humana e dos objetos aos quais nos apegamos.


O texto do André – nome fictício do meu paciente – surgiu depois de uma de nossas sessões. Tratávamos do tema da desmotivação e desânimo, que vinham tomando conta do seu humor.


Num aparente ato falho, ele falou em melancolia. E se deu conta de que não era o caso, mas sim uma memória que o fazia questionar seus projetos e atividades recentes. Era a memória de uma grande perda, cujo luto ainda lhe trazia a tristeza e suas companheiras, mesmo que afirmasse que o luto já havia acabado.


André é um jovem muito inteligente, sensível e trilha o caminho da arte. Daí sua facilidade em produzir num repente o texto que compartilho com vocês.



As Três Senhoras

por André


Engraçado… um dia quando acordei escutei três vozes (conhecidas de longa data já) fofocando sobre a vizinhança, reclamando do tempo e tomando café.


Mas, estranhamente essas vozes vinham do meu peito.


A primeira que falou foi Dona Tristeza, velha conhecida minha. E, quando falava, enchia meu peito com um frio desagradável, subia pra garganta, fazia um nó lá e fazia questão de demorar pra ir embora.


Logo em seguida, saudosa, nostálgica e calorosa, com uma voz potente, veio Dona Saudade para esquentar a conversa, colocar um cobertorzinho no coração e falar dos velhos tempos entre risadas do que já foi. O ruim é que Dona Saudade tem que sair rapidinho, mas sempre que pode, faz uma visita.


E silenciosa, mas tão atenciosa quanto as duas, Dona Angústia sempre está lá, independente se é Dona Tristeza ou Dona Saudade que esteja acompanhando. Fala pouco e com muita sabedoria… nunca entendo o que diz de primeira, mas suas palavras fazem refletir bastante e pensar que a vida não é tão “preto no branco” mas alguns tons de “cinza”.



A Resolução do Luto


Resolução saudável: a tristeza aparece cada vez menos, e a saudade vai tomando seu lugar. A libido é investida em um novo objeto amado. Nos sentimos animados com a nova motivação.

Resolução patológica: a tristeza permanece presente, a melancolia se apresenta. A libido continua investida no objeto amado perdido, gerando desmotivação e desânimo.


Um pouco mais sobre As Três Senhoras


Escrever um pouco mais sobre as três senhoras, sem a capacidade artística do André, me parece uma tarefa muito difícil. O que vou adicionar é mais conceitual, com a intenção de respaldar o raciocínio clínico que utilizo nas sessões de psicoterapia.


Dona Angústia

A palavra alemã “angst” utilizada por Freud foi traduzida de formas diversas. Foi associada a medo, ansiedade e angústia (no português).


Segundo o DSM V: “Medo é a resposta emocional à ameaça iminente real ou percebida, enquanto Ansiedade é a antecipação de uma ameaça futura.”


Angústia é um afeto.


A angústia gera uma sensação de perigo para o sujeito. Ela surge para apontar a iminente possibilidade da perda do objeto amado ou para nos lembrar de que o perdemos.


Ela nos coloca em contato com a incapacidade de preservarmos o objeto amado e também em contato com a incapacidade de mantermos aquilo que achamos essencial para que tenhamos satisfação, alegria e prazer na vida


Dona Tristeza

A tristeza é uma emoção básica. Ficamos tristes todos os dias.


Em sua forma mais intensa e duradoura, está presente na terceira etapa do processo de luto, quando nos conscientizamos da perda do objeto amado.


Dependendo da intensidade e do período de duração, a tristeza pode gerar o estado depressivo.


Quando estamos tristes, estamos em contato com a dor da ausência do objeto amado. Se não tivermos outros objetos amados, reduzimos significativamente a atividade e temos dificuldade de obter satisfação, prazer e alegria.


É relevante dizer que é necessário vivenciar a tristeza, que faz parte da vida. Negar a tristeza é negar nossa natureza humana. Também é relevante dizer que a tristeza não é um transtorno depressivo, como muitos querem nos fazer crer.


O mundo do glamour, do prazer constante e da obrigatoriedade da alegria divulgado pelos veículos de comunicação, em especial a mídia digital, é uma ilusão.


Num mesmo dia passamos por períodos de depressão e de euforia. Isso sim, é a realidade que percebemos.


Dona Saudade

Segundo o Dicionário Aurélio, saudade é um sentimento de nostalgia causado pela ausência de algo, de alguém, de um lugar ou pela vontade de reviver experiências, situações ou momentos já passados.

A palavra nostalgia se refere a disfunções comportamentais causadas pelo isolamento em relação à terra natal ou à família de origem.


No contexto deste informe, a saudade é sentida pela falta do objeto amado, e se apresenta como uma tristezinha que não causa prejuízos ao nosso desempenho na vida.

 
Tendo dado um sentido à perda do objeto amado, elaborado o luto, é comum que a saudade venha acompanhada da gratidão.


E nas sessões de psicoterapia ...


A experiência clínica mostra que as queixas de angústia, tristeza e saudade costumam ter em comum a baixa motivação e a menor produção.


Angústia diminui a ação pela dúvida: “Será que vale a pena?”

Quando a Tristeza está presente, parece que a vitalidade foi embora e não há ânimo para se fazer o que precisa ser feito. Desejo então, quase que desaparece.


A saudade nos traz memórias do passado, tempo em que as coisas eram – parecem que foram - melhores e sentimos que   “Nada será como antes ...” como cantam Milton Nascimento e Lo Borges


Assim como aconteceu com André, ao falar da angústia que sentem os pacientes inconscientemente colocam a mão direita no peito, sobre o osso externo, um pouco mais para o lado do coração.


Na sessão com André, quando analisamos juntos o que o fazia se sentir desanimado e desmotivado, ele percebeu que, escondidas lá dentro da casa torácica, bem atrás do externo, as Três Senhoras ali conversavam.

Referência bibliográfica


Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 5a Edição - DSM-5®

 acessada em 22 de março de 2024


Conceito Psicanalítico  de Objeto e de Pulsão

Transcrição do texto do Vocabulário da Psicanálise de Laplanche e Pontalis

(recorte do texto para complementar a leitura do Informe "As Três Senhoras")